Resenhas, artigos e contos

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[Resenha - Seriado] The Walking Dead



Histórias de zumbis andam na moda e amplamente exploradas por filmes, games, livros e outras mídias narrativas. Mas nenhuma história está tão em voga quanto o seriado The Walking Dead, baseado na HQ roteirizada por Robert Kirkman e desenhada por Charlie Adlard. A popularidade constante rendeu uma lucrativa produção de games e romances. A terceira temporada acabou há algumas semanas, mas a quarta já estava garantida muito antes de seu fechamento, o que só comprova a garantia de sucesso dessa história.

Essa resenha contém rápidas impressões sobre a série sem levar em consideração as comparações com a HQ, que aparenta ser muito diferente do seriado. Além do mais, ainda não conferi a história em quadrinhos, mas devo fazê-lo em breve para, quem sabe, resenhá-la aqui no blog.




O grande diferencial de The Walking Dead é tirar o foco do apocalipse zumbi e jogá-lo como pano de fundo para os conflitos entre os personagens. A história está menos preocupada em mostrar os confrontos com os mortos-vivos do que as desavenças entre os personagens e a consequente luta deles pela sobrevivência. Nesse aspecto, uma narrativa muito parecida com Lost, com os mistérios da ilha jogados em segundo plano para dar passagem às histórias dos personagens. Por isso, o teor fantástico não chega a ser a atração principal como acontece, por exemplo, na série de games Resident Evil (que praticamente não há mais zumbis). É adequado dizer que The Walking Dead é um seriado de gênero dramático apenas sustentado por alguns toques de terror. 



A primeira temporada geralmente é a que melhor apresenta a essência de um seriado, já que quando o mesmo consegue fazer um relativo sucesso, são raras as ocasiões em que a qualidade consegue ser preservada ou até mesmo melhorada. Com The Walking Dead acontece efeito semelhante. Os seis episódios referentes a primeira temporada são excelentes, dotados de um conteúdo reconhecível e que foi responsável por angariar novos espectadores para a segunda temporada que, aliás, teve sete episódios a mais que a anterior.

A premissa inicial da série é a seguinte. Rick Greimes, um oficial de policial, é baleado e acaba entrando em estado de coma. Mas, ao finalmente acordar no hospital, descobre que o mundo já não é o mesmo de antes: os locais estão infestados por mortos-vivos. Vendo-se em um cenário pós-apocalíptico, Rick procura pela esposa, Lori, e o filho, Carl, mas não consegue encontrá-los. No primeiro episódio, ele conhece Morgan e o filho dele, e ambos contam que há uma base militar em Atlanta. Rick segue para a mencionada cidade, a cavalo (configurando uma das cenas mais simbólicas da série), para procurar a família. Lá, ele se defronta com outros sobreviventes que pertencem a um acampamento distante onde Lori e Carl sobrevivem. O que Rick não sabe é que seu melhor amigo policial também está lá e mantém secretas relações sexuais com sua mulher. Quando Rick chega ao acampamento, ele gradualmente vai tomando a posição de líder para guiar a sobrevivência do grupo.

Pelo resumo acima, justifica-se o que havia dito sobre o fato do seriado se concentrar mais nas faíscas de relacionamento entre os personagens que propriamente nos zumbis. E, felizmente, os personagens são muito cativantes e não demoram mais que um ou dois episódios para atraírem a atenção do espectador. A primeira temporada teve um cuidado primoroso no roteiro e na direção, e apenas 6 episódios deram uma qualidade de entretenimento melhor que muitos seriados de 12 ou 25. Os personagens e o enredo evoluem em sincronia, graças a maioria das cenas significativas para o andamento da história. Claro, há um número considerável de mortes para no final sabermos, de fato, quais serão os integrantes do grupo principal liderado por Rick na luta pela sobrevivência contra a infestação dos errantes (mortos-vivos). A primeira temporada de The Walking Dead ganhou o Emmy Award de 2011 e foi indicada ao Globo de Ouro 2010 na categoria "melhor série dramática".



Com o sucesso inicial da série, a segunda temporada retornou com mais episódios, que poderia ser visto como uma ótima notícia para os fãs recentes não fosse a gradual queda de qualidade no enredo. Não que tenha sido uma temporada fraca, mas não foi tão emocionante como a primeira, e o conteúdo mostrou-se dissolvido em seus demasiados treze episódios. O ritmo da narrativa decaiu bastante e protelou excessivamente um arco que poderia ter sido resumido em mais ou menos oito capítulos.


O espaço narrativo confinou-se na fazenda de Hershell Grene, novo personagem da série junto com seus familiares. A trama dividiu-se em dois sub-arcos, o primeiro relacionado ao desaparecimento de um personagem e na negociação de Rick e Hershell para manter o grupo a salvo na fazenda; já o segundo traz à tona a principal característica do seriado (os conflitos entre os personagens) e os acontecimentos mais relevantes da temporada. Em suma, uma narrativa muito distinta do início da série, além do fato da enorme passagem de tempo entre o final  da primeira temporada e o começo da segunda, o que permitiu aos roteiristas inserirem os personagens na trama com leves ou grandes mudanças em relação ao que eram no passado. Minha opinião, a mudança de personalidade de Daryl Dixon, um dos melhores personagens, (chega a ser tão ou mais admirado que o próprio protagonista) foi bem abrupta e estranha: um cara de pavio curto que amoleceu um pouco seu temperamento. Esse estranhamento, felizmente, não estragou o personagem, que tornou-se ainda mais cativante ao longo da temporada. E, no geral, esse ritmo mais lento deu espaço para melhor desenvolvimento dos personagens secundários, sobretudo, para o amigo policial de Rick, Shane.

Dizem que a série afastou-se bastante do seriado a partir deste ponto, mas como não tenho referências concretas, não posso dizer exatamente quais foram as diferenças. O desenvolvimento dessa temporada já transparece claramente uma dose de enrolação que destoa do ritmo natural da história. Mas, no fim, alguns episódios conseguem ser tão interessantes quanto aqueles iniciais do seriado, e o desfecho gerou uma boa expectativa para a temporada seguinte.



A terceira fase do seriado foi encerrada há algumas semanas, e embora a série já tenha ganhado uma grande popularidade e reconhecimento, esta última temporada ficou aquém das anteriores, apesar de que, se melhor desenvolvida, teria tudo para ser uma das mais interessantes. Acontece o que é de praxe em muitos seriados, que é a perda de qualidade conforme o avanço das temporadas. The Walking Dead caiu na mesma armadilha. Para começar, a terceira temporada teve o maior números de episódios de todas, foram 16 capítulos para contar uma história muito diferente do que a série vinha apresentando. O que já se sabe é que entre uma temporada e outra decorre grande quantidade de meses, suficiente para os personagens mudarem e se situarem em outro local; e essa particularidade facilita uma narrativa diferente.


Se a segunda temporada foi focada numa fazenda, agora o cenário é duplo: a prisão onde Rick e seu grupo se mantêm seguros, e a pequena cidade de Woodbury onde algumas dezenas de pessoas vivem num simulacro de sociedade liderada pelo alcunhado Governador, o primeiro vilão principal da série. Somente aí já temos um intercâmbio com potencial para produzir bons conflitos entre os personagens, mas, ironicamente, essa peculiaridade  desapareceu nesta temporada. O excesso de personagens inibiu a profundidade de cada um deles, e o resultado foi o aparecimento de "peões" de roteiro que sobreviviam por, no máximo, três episódios. As mortes de alguns personagens na temporada anterior e no início desta se mostraram um grande inconveniente para melhor desenvolvimento do enredo, culminando numa trama fraca e pouco crível. É difícil imaginar um grupo de menos de dez pessoas, quase a metade deles com pouca experiência militar, confrontar um grupo de dezenas de atiradores que conseguem matar militares e outros grupos menores. O duelo "Prisão de Rick vs Woodbury do Governador" foi uma premissa extremamente fraca devido a falta de personagens interessantes de ambos os lados (talvez apenas do lado de Rick). E não estou levando em consideração as falhas de roteiro e cenas insignificantes que em nada acrescentaram à história. Desta vez, os inimigos são pessoas, e os zumbis se apresentaram apenas como adornos para a história, tanto que o Governador os utiliza como experimento ou método de matança direcionado aos grupos inimigos.  

Apesar de todos esses aspectos negativos e de uma caracterização mais "HQ" da série a partir desta temporada, The Walking Dead ainda consegue cativar por ter um saldo bastante positivo conquistado na primeira temporada e, em partes, na segunda. O final do arco Woodbury pautou-se num roteiro corrido, gerando um encerramento forçado para a temporada. Apesar da tentativa de inovação na história, trazendo um grupo de sobreviventes para confrontar os "mocinhos", a qualidade do seriado decaiu por não ter desenvolvido essa nova etapa de maneira plausível.

Para a quarta temporada, a previsão inicial da quantidade de personagens é ainda maior, e temo que a história acabe não se focando muito bem no desenvolvimento deles. Mas ainda considero uma boa série para ser vista.